terça-feira, 27 de setembro de 2011

Um dia eu ainda escrevo sobre coisas fofas


Ele acordava de manhã, não se levantava, ficava alguns minutos olhando pro teto. Pensava no que faria aquele dia, seria um dia como todos os outros. Ai sim se levantava, se arrastava até o banheiro, o banho era rápido e frio pra tirar da cabeça os sonhos da noite anterior, sonhos, só sonhos.
Ele descia pro café sozinho, ninguém pra dar bom dia. Ele tomava o café e saia. Mas quando saia já era outra pessoa, na rua fingia que tinha porte, fingia que era descolado, que sabia das coisas. Conversava com as pessoas sobre todos os assuntos e sempre dava um jeito de contar vantagem, de parecer mais interessante. Mas quem estava sempre por perto sabia o quão deprimente aquilo era. Sempre as mesmas histórias, sempre mentiras, comentários vazios e desnecessários. Fingindo ser legal, querendo se enturmar. Ele também sabia que era tudo mentira, mas ignorava os fatos, enganava-se a si mesmo. Quando chegava em casa a noite percebia tudo o que ele havia dito. Percebia que passou o dia inteiro fingindo. E chorava, com a cabeça no travesseiro. Imaginando como seria se as coisas fossem diferentes. Como ele poderia tornar as coisas diferentes. Ele tomou seus remédios pra dormir e fechou os olhos. Deprimente, era tudo o que lhe vinha na cabeça.
Pagou pra ver não viu, dormiu garoto acordou senil.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O único defeito de uma vida perfeita era justamente a perfeição


Eles não se gostavam muito quando se casaram, mas aprenderam a conviver e se suportar.
Ela se casou de branco mesmo não sendo virgem, foi de braço dado com o pai até o altar, mesmo estando a quase 3 anos sem falar com ele. O noivo apertou a mão do sogro com um sorriso, pensando na fortuna que ganharia se aquele velho morresse logo.
Na noite da lua de mel ela fingiu orgasmos enquanto ele pensava na amante. Orgasmos mesmo ela teve quando pegou o cartão de crédito de quem agora era seu marido. Foi uma Lua de mel inesquecível.
Ela não se importava que o marido tivesse amantes, desde que ninguém mais soubesse “não fica bem as pessoas descobrirem que você sai com essas pirralhas e eu não falo nada.” Eles tinham que manter as aparências.
Eles tiveram uma filha que ela não amamentou, era o que faltava para serem uma família perfeita, mas ela não queria estragar o corpinho recém lipo-aspirado. A menina cresceu linda, falava 3 línguas desde pequena, fazia ballet, canto e tocava piano. No dia das mães o pai comprava presentes caros para a menina dar para a mãe num embrulho bonito, mas aqueles cartões e lembrancinhas que ela mesma fazia, eram para a babá.
O tempo foi passando, a gravidade parecia fazer um efeito oposto na mulher. “É a yoga, são as ervas medicinais, é a paz de espírito!” É o que ela dizia quando perguntavam o que a deixava tão jovem. O que ela não dizia era sobre suas aplicações semanais de botox e todas as lipoaspirações, lipoesculturas, abdomioplastias e tantas outras cirurgias as quais ela se submetia para tentar ser jovem.
A menina foi crescendo e ficando bonita de verdade. A mãe se orgulhava. “minha filha é linda, ela pode ser modelo se quiser”. Mas no fundo ela odiava ver a filha cada vez mais linda enquanto ela ficava cada vez mais velha.
A menina se envolveu com más companhias, a mãe sabia, e não ligava, ela podia fumar o que quisesse desde que ninguém ficasse sabendo. Ela tinha que manter as aparências.
De tempos em tempos a mãe internava a filha na reabilitação, só para evitar que as marcas do vício ficassem perceptíveis. Ela dizia aos amigos que a menina estava estudando em outro país.
Um dia o pai morreu, ele teve um infarto no escritório. A mulher chorou duas lágrimas forçadas. “Eu dizia para ele ir ao médico, homens são tão teimosos!”. O que ela não dizia era pra ele parar de transar com a recepcionista na escrivaninha, depois do expediente.
A filha nem fingiu chorar, ela não conseguia chorar por alguém com quem não conversou mais de 5 minutos durante toda a vida. A mulher disse que a menina estava abalada demais para chorar. “Às vezes quando se perde alguém tão próximo a ficha demora pra cair”.
A menina fugiu de casa, a mãe disse que ela estava viajando com amigos pela Europa. Mas não deu para usar essa desculpa quando a menina foi encontrada morta em uma trilha pelo namorado traficante. Sabe como é, ele tinha inimigos, e ela era a princesinha dele.
Os boatos começaram a correr, as pessoas comentavam, os amigos a evitavam. A mulher não se desesperou, foi até o seu quarto, vestiu o melhor vestido, se maquiou, escreveu uma carta dizendo que não poderia viver sem a sua bonequinha que a fazia parecer uma vítima da sociedade, encheu uma taça do seu melhor prosseco e jogou nele seus remédios tarja preta pra dormir, junto com alguns outros comprimidos que ela encontrou pelo caminho, deu um golinho sem fazer careta, e depois bebeu tudo de uma vez. Ela caiu na cama, com a taça na mão, pela primeira vez em anos ela parecia bonita. Ela tinha que manter as aparências, e era boa nisso.