quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Um velho novo conto

Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos em juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.

Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.

Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela, mesma, era quem se dizia: – “Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou”. A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.

E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeiinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejadamente.

Demorou, para dar com avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:

- “Quem é?”

- “Sou eu…” – e Fita-Verde descansou a voz. – “Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou.”

Vai, a vovó, difícil, disse: – “Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençõe.”

Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.

A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: – “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.”

Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:

- “Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!”

- É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta…” – a avó murmurou.

- “Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!”

- É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta…” – a avó suspirou.

- “Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido!”

- “É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha…” – a avó ainda gemeu.

Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.

Gritou: – “Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!…”

Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.

(Fita Verde no Cabelo - Guimarães Rosa)

Li este conto a muito tempo atrás, mas não me lembro de sentir o que senti quando o li desta vez. Procurei o conto afim de fazer uma comparação em meu trabalho de monografia, meus olhos se encheram de lágrimas. Sou assumidamente chorona, e desde que me tornei mãe fiquei três vezes pior (ou melhor).
É da natureza das mães chorarem por coisas que para qualquer outro mortal seriam irrelevantes. Aquele desenho borrado feito com giz de cera, palavrinhas que ninguém mais entende, aquele beijo melado na bochecha ou aquela música piegas cantada fora de ritmo.
Mas voltando ao Guimarães Rosa, li este conto e não pude me conter. Li em "psicanálise dos contos de fadas" que a subjetiva interpretação de um conto muda conforme a idade do leitor. Talvez seja por isso que só agora senti este sentimento sem nome que dá aquela tremidinha no queixo e um friozinho na barriga.
Os detalhe é que tornam o conto tão maravilhoso. Fita Verde segue o caminho longo sem ser induzida a fazer isso e, a medida que vai percebedendo a fragilidade da avó, Fita Verde vai se entristecendo.
Lembro de ler este conto em um livro que tinham vários outros contos interessantes. "Chifre em cabeça de cavalo" era um deles, onde um menino e uma amiga procuravam por unicórnios. Não faço idéia de onde este livro foi parar, mas será que se eu lê-lo de novo vai ser diferente? É claro! Cada leitura é única...